Montreal, 1976, penso que vivi as melhores seis semanas desde que moro aqui no Canadá. Tudo começou na primavera, quando me informaram que tinha sido selecionado para trabalhar nas Olimpíadas de Montreal.
Começamos o treinamento exatamente um mês antes do início das competições. Foi um mês muito legal, aprendemos sobre as nossas funções, onde iríamos trabalhar, nos divertíamos muito também, fazendo esportes, falando em diferentes línguas, me lembro de organizar amistosos de futebol com meus colegas no Parque Maisoneuve e aprender a dizer bom dia e como agradecer em diferentes idiomas.
A organização dos jogos foi um grande fiasco, por pouco não aconteceram. A corrupção foi imensa, na época diziam que os caminhões cheios de concreto entravam por uma porta e saíam por outra cheios como entraram, que o concreto era usado para outros fins com o dinheiro de nossos impostos, assim como empregados batiam ponto de entrada/saída na jornada de serviço no estádio e iam trabalhar em outras obras privadas das construtoras. Enfim, o governo provincial tomou controle da organização dos jogos alguns meses antes e conseguiu terminar ou quase terminar tudo a tempo, contudo a cidade levou muitos anos para pagar as dívidas dos jogos olímpicos, acho que foram as primeiras Olimpíadas que não deram lucro ao país que organizava.
Um dos fatos que me surpreendeu foi no dia 16 de julho de 1976, o dia anterior à abertura dos jogos, dentro do estádio olímpico por volta das 10 horas da noite, trabalhadores fixavam as cadeiras no estádio, eu me perguntava como vão terminar? Mas terminaram e no dia seguinte houve a cerimônia oficial de abertura.
Para a cidade de Montreal foi como um sonho, atletas de muitos países, lembro que a África do Sul não teve permissão de participar dos jogos por causa do sistema de Apartheid ainda vigente e criticado no mundo inteiro. A torre inclinada só foi completada alguns anos depois, o estádio estava inacabado, sem teto, mas deu para realizar os jogos mesmo assim. Essa área inteira que ia do estádio olímpico até a residência dos atletas: as pirâmides olímpicas (que também tiveram problemas como as residências no Rio, mas claro não havia internet naquela época para poder reclamar), passando pela arena Maurice Richard e o Centro Esportivo Pierre-Charbonneau faziam parte do complexo olímpico. A movimentação e animação eram indescritíveis, onde é o estádio Saputo hoje era um terreno olímpico de prática para os atletas, o acesso para o estádio e esse terreno era subterrâneo a partir da residência dos atletas, mas era possível vê-los treinar do lado de fora.
Lembro-me de encontrar pessoalmente Telly Savalas (Kojac) que era muito conhecido na época, Charles Bronson, a limosine com a rainha Elizabeth II era vista em muitas partes da cidade, ver Mick Jagger cantando Angie com uma guitarra na passarela olímpica que ficava entre o estádio e a arena Maurice Richard, onde existiam muitas barraquinhas vendendo de tudo durante os jogos.
Uma vez durante os jogos, eu estava no estádio olímpico, uma menininha veio na minha direção e me perguntou: você troca esse seu pin da ABC (TV americana) por esse pin oficial que eu tenho da equipe de equitação canadense? O pin da ABC era muito mais legal, vendo minha hesitação em trocar, ela me disse: meu pai falou que se eu te pedisse você trocaria pra mim… Aí vejo o Charles Bronson me olhando e ele fez um sinal com o chapéu, como ele fazia nos filmes western, eu repeti o sinal para ele e troquei o pin com a menina. Ainda o tenho até hoje, deve ser um dos únicos pins da equipe de equitação olímpica canadense de 1976 que existe até hoje. rsrsrs
Em outro dia durante as Olimpíadas estava trabalhando na arena Maurice Richard, quando vieram correndo me procurar: Flavio venha até a portaria, tem um grupo de atletas brasileiros querendo entrar e não entendemos nada do que estão dizendo. Bom, era grande parte do time brasileiro de futebol olímpico brasileiro, queriam ver um colega brasileiro que ia competir em luta ou boxe, me deram muitos pins oficiais da equipe olímpica brasileira, que usei para conseguir colocá-los bem perto do ringue e verem o amigo competir. Só fiquei com um pra mim e ainda o tenho até hoje. Naquela época não existia celular ou selfie, então só ficaram as lembranças mesmo ou os pins/broches.
A segurança era muito grande, era a primeira Olimpíada depois do ataque terrorista aos atletas israelenses em Munich, fomos treinados como reagir em caso de urgência e o policiamento era bem amplo, embora discreto, acho que nada comparável ao que é hoje.
As salas de imprensa em cada arena eram bem diferentes das de hoje porém moderníssimas para época, equipadas com televisões individuais em cada área de trabalho.
Eu tenho três recordações não tão boas desses jogos. A primeira: o Brasil (tive a oportunidade de encontrar vários atletas, inclusive da seleção de futebol) acho que só ganhou duas medalhas de bronze. A segunda: o Canadá não conseguiu ganhar nenhuma medalha de ouro, embora “quase” tenha conseguido com um atleta do salto em altura. E a terceira: foi o dia do encerramento, que tristeza!
No caminho de volta para casa, turistas americanos nos ofereciam 100 dólares ou mais pelos nossos uniformes, não vendi o meu e o guardo ainda como lembrança.
Os atletas dos quais mais me recordo dessas Olimpíadas são, sem dúvida, Nadia Comaneci, que era uma menininha na época, mas já uma atleta excepcional em ginástica, Sugar Ray Leonard, que viria a ser um dos maiores boxeadores de todos os tempos e Bruce Jenner que ganhou o declaton, sabemos que hoje é Caitlyn Jenner, uma das transexuais mais famosas do mundo.
Tiro da minha experiência em 1976 que todos os países organizadores sempre encontram algumas dificuldades para organizar os jogos, mas que as estrelas dos jogos são os atletas e que assim que os jogos tem início, as olimpíadas são e serão sempre um sucesso. Eu posso imaginar a movimentação, a animação e a alegria que devemos estar vivendo no Rio de Janeiro hoje, e que todos que estão vivendo essa experiência têm uma oportunidade única na vida, que sem dúvida jamais esquecerão, como eu nunca esqueci.
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Flavio Lima