Lembro de quando eu tinha uns nove anos de idade e passava as férias na praia, litoral de São Paulo. Adorava o clima úmido, o mar, não ter hora para acordar e os longos cafés da manhã comidos do lado de fora da casa. O grande jardim de gramado verde e as árvores de chapéus-de-sol, cujas sementes me serviam de brinquedos. Os piqueniques ao ar livre, as corridas de bicicleta, a areia batendo no rosto. Bons tempos.
Nesse lugar tinha uma casa. Uma casa pequena, escondida no meio de outras e que nunca tinha ninguém. Era uma pequena garagem, somente com uma corrente ao invés de um portão. Eu conseguia entrar lá, ficar por lá quando precisava de um pouco de “privacidade”. Era escondido, ninguém conhecia. Era calmo, fresco, era um lugar que sempre me chamava.
Lembro de quando a minha amiga decidiu morar no Canadá. Ela virou na mesa do bar, assim do nada e disse “vou me mudar”. Não conhecíamos a vontade dela de ir, ou não levávamos à sério, sei lá. Mas ela decidiu e decidido estava. Até ver tudo se concretizando, ainda demoramos para acreditar. “Como assim, você vai embora? ”. Um dia, perguntei por que lá, por que o Canadá? Ela disse “Eu sempre quis. Quando eu viajei para lá senti uma coisa por aquele lugar e sempre falei que um dia moraria lá”. Ela sentiu o chamado.
Existem lugares que te chamam, como uma sereia numa pedra no meio do oceano. Esta casa desconhecida da minha infância, o Canadá para essa amiga, a Espanha para outra. Uma outra amiga, que mora hoje em Valência, sempre falou muito da Espanha. Tinha muitos familiares lá, sempre se identificou com a maneira do espanhol viver e sempre falou a língua dentro de casa. A mãe e a irmã continuam por aqui, mas ela precisava ir. Sentia o chamado, algo que a empurrava para fora.
Não é só a crise ou os problemas que enfrentamos no país ou qualquer coisa assim que nos tira do nosso lugar. Na verdade, existe uma coisa dentro de cada um que sabe o quer e o que precisa. E muitas vezes, essa é uma escolha muito difícil, talvez a mais difícil da vida toda. Nós, latinos, não somos acostumados a alçar voos solos. Nossa educação é para ficar sempre perto dos pais, dos avós. Eu mesma sou filha e neta de imigrantes portugueses, alemães e até iugoslavos. Não me sinto totalmente brasileira, mas também não me sinto nenhuma destas nacionalidades.
O chamado precisa ser ouvido, escutado. Mesmo que num primeiro momento ele cause um desconforto enorme e que todas as questões possíveis venham a tona. Que venha o medo, a solidão, a distância da família, a dificuldade com a língua. Que venham todas as emoções negativas para que possamos realmente enxergar qual é a nossa verdade, lá dentro. Pode ser que ela esteja sufocada por tudo isso, e aí precisa ser lapidada. Talvez você precise de tempo, de energia. Talvez precise entender os motivos e saber que não é só uma fuga ou achar que tudo estará resolvido depois disso. Talvez precise só se amar o suficiente para saber que, para onde que quer você vá, você vai estar lá para você. É, talvez esse seja o segredo: para onde quer que você vá, leve você com você.